28.2.09

Ternura



Desvio dos teus ombros o lençol,
que é feito de ternura amarrotada,
da frescura que vem depois do sol,
quando depois do sol não vem mais nada...

Olho a roupa no chão: que tempestade!
Há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
onde uma tempestade sobreveio...

Começas a vestir-te, lentamente,
e é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo...

Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos assim que estamos sós!

David Mourão-Ferreira, in "Infinito Pessoal"

11.2.09

Foz de Iguaçu



Há Palavras que Nos Beijam



Há palavras que nos beijam

Como se tivessem boca.

Palavras de amor, de esperança,

De imenso amor, de esperançar louca.


Palavras nuas que beijas

Quando a noite perde o rosto;

Palavras que se recusam

Aos muros do teu desgosto.


De repente coloridas

Entre palavras sem cor,

Esperadas inesperadas

Como a poesia ou o amor.


(O nome de quem se ama

Letra a letra revelado

No mármore distraído

No papel abandonado)


Palavras que nos transportam

Aonde a noite é mais forte,

Ao silêncio dos amantes

Abraçados contra a morte.


Alexandre O'Neill, in 'No Reino da Dinamarca'

7.2.09

Cidade Maravilhosa


A Emoção Fugitiva
Vamos buscando a emoção

que não podemos encontrar

neste tédio sempre igual

que nos envolve o coração.


Enfermos deste eterno mal

que antes que nasça algum amor

alegrará com sua canção

esta amarga solidão,


o matará com sua dor

que soa como perpétuo

e lento toque de maldade

dentro do nosso coração.


Vamos buscando a emoção

que não podemos encontrar

e desejamos com ardor.


Pablo Neruda, in 'Cadernos de Temuco'

2.2.09

As Sem Razões do Amor



Eu te amo porque te amo.

Não precisas ser amante,

e nem sempre sabes sê-lo.

Eu te amo porque te amo.

Amor é estado de graça

e com amor não se paga.


Amor é dado de graça,

é semeado no vento,

na cachoeira, no eclipse.

Amor foge a dicionários

e a regulamentos vários.


Eu te amo porque não amo

bastante ou de mais a mim.

Porque amor não se troca,

não se conjuga nem se ama.

Porque amor é amor a nada,

feliz e forte em si mesmo.


Amor é primo da morte,

e da morte vencedor,

por mais que o matem (e matam)

a cada instante de amor.


Carlos Drummond de Andrade, in 'O Corpo'