28.1.09

As Mil e Uma Noites


Conta-se que, com raiva de ter sido traído por sua primeira esposa, o rei Xeriar (do persa شهريار, “rei”) a cada dia desposava uma virgem, e todo o dia mandava matar a esposa com que passara a noite.

Ele já matara três mil mulheres quando conhece Scheherazade, que se oferece para casar com ele apesar dos protestos do pai.
Uma vez nos aposentos do rei, Scheherazade pede para se despedir de sua irmã, Duniazade.

No meio da conversa, como haviam combinado antes, Duniazade pede que a irmã lhe conte uma história.

Scheherazade, que tinha lido livros e escritos de toda a espécie, conta uma história que, como havia planejado, cativa a atenção do rei. Ele pára e escuta a narrativa, escondido.

Mas ela interrompe a narrativa para a concluir apenas na noite seguinte.

Curioso para saber o final da história, o rei não mata Scheherazade.

Nas noites seguintes, excitado com a narrativa, o rei pede novas histórias, e assim ele a mantém viva até que, depois de mil e uma noites e três filhos depois, o rei, entretido e moralmente elevado pela histórias, desiste de matá-la e faz dela sua rainha.

24.1.09

Calmaria


Uma Após Uma
Uma após uma as ondas apressadas
Enrolam o seu verde movimento
E chiam a alva 'spuma
No moreno das praias.
Uma após uma as nuvens vagarosas
Rasgam o seu redondo movimento
E o sol aquece o 'spaço
Do ar entre as nuvens 'scassas.
Indiferente a mim e eu a ela,
A natureza deste dia calmo
Furta pouco ao meu senso
De se esvair o tempo.
Só uma vaga pena inconsequente
Pára um momento à porta da minha alma
E após fitar-me um pouco
Passa, a sorrir de nada.
Ricardo Reis, in "Odes"

16.1.09

Miguel Torga


No aniversário da sua morte, aqui presto a minha homenagem a um grande Português: Miguel Torga



Súplica




Agora que o silêncio é um mar sem ondas,


E que nele posso navegar sem rumo,


Não respondas


Às urgentes perguntas


Que te fiz.


Deixa-me ser feliz


Assim,


Já tão longe de ti como de mim.




Perde-se a vida a desejá-la tanto.


Só soubemos sofrer, enquanto


O nosso amor


Durou.


Mas o tempo passou,


Há calmaria...


Não perturbes a paz que me foi dada.


Ouvir de novo a tua voz seria


Matar a sede com água salgada.

10.1.09

Ana


Horário do Fim


morre-se nada

quando chega a vez


é só um solavanco

na estrada por onde já não vamos


morre-se tudo

quando não é o justo momento


e não é nunca

esse momento


Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"

4.1.09

Pedra Filosofal


Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.


Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.


Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.


Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.








António Gedeão, in 'Movimento Perpétuo'
Sempre me fez sonhar..........e acreditar.

2.1.09

Eternidade



Vens a mim

pequeno como um deus,

frágil como a terra,

morto como o amor,

falso como a luz,

e eu recebo-te

para a invenção da minha grandeza,

para rodeio da minha esperança

e pálpebras de astros nus.


Nasceste agora mesmo.Vem comigo.


Jorge de Sena, in 'Perseguição'